Travessia Cassino - Chuí

Cabe dizer, inicialmente, que este projeto já tem mais de dez anos. Quando pedalamos, em 2008, até o Chuí, nosso desejo era ter seguido pela orla, mas a inexistência de qualquer estabelecimento no caminho fez com que optássemos pela BR471. Agora em 2018, com um carro de apoio, chegou a nossa vez!

Iniciamos a jornada na sexta feira, dia 2 de novembro, dia de finados. Como se percebe acima, três aventureiros, uma caminhonete e duas bicicletas. Nem precisa dizer que um dos tripulantes foi na carroceria, junto com os materiais. Neste momento vem a mente do leitor que este é um procedimento ilegal. E se fossem parados em uma fiscalização? Ora, as circunstâncias estão sempre nos desafiando, e de fato, é melhor ser prudente. Por outro lado, tem coisas na vida que fazemos com o que temos, ou então nunca o faremos. Para dar outro exemplo, cito nossa viagem de 5.000 km que fizemos em 2017 com um Clio (ano 99). Depois do retorno o auto não funcionou mais. Importa é que nos serviu durante toda a viagem! Uma vez quebrou, mas nós mesmos consertamos.

O almoço se deu em Canguçu naquele restaurante onde sempre o preço que consta na propaganda não coincide com o valor cobrado. Visto que tínhamos tudo que era preciso na caminhonete, não chegamos em Rio Grande, nem no Balneário do Cassino, mas fomos direto aos Molhes para iniciar o pedal. Como se percebe nas imagens, mesmo não havendo calor para entrar na água, estava bem movimentada a praia.

Não havia pressa. Saímos dos molhes já passado das 16h. O objetivo do primeiro dia era apenas chegar até o Altair, e assim foi feito. Chegamos nos destroços depois das 18h. Existe nas imediações um riacho "móvel". Móvel porque todos os anos ele muda a posição da desembocadura, e neste, coincidiu exatamente com a posição do velho navio.

Mesmo com este céu azul da sexta, havia previsão de chuva. Quando passou a escurecer, surgiram relâmpagos mais ao sul. Dito e feito, foi uma noite de raios, vento e chuva. Apenas um ficou em barraca: o Joéde dormiu na carroceria e o Maiquel na cabine. Tive sorte por não me encharcar. A lona do fundo da barraca já foi impermeável um dia, agora tem furos nas dobras. Passado o susto, era hora de despertar e armar o varal para secar os "mijados". Mais uma vez não nos apressamos.

No dia anterior havíamos feito 21 km da barra até o Altair. Como é comum depois de chover, o vento passa a soprar do Sul. Entendemos que o avanço não seria como desejado. Para descontrair o relato, a foto a seguir lembra os confrontos de Dom Quixote contra os moinhos de vento. Agora em 2018 os moinhos dão lugar ao parque eólico e o adversário era o vento.

No primeiro mato de florestamento paramos para o almoço. O Joéde descarregou alguns utensílios e voltou até o Cassino. Isto porque em uma travessia de riacho, o auto deu de bico no barranco adjacente, quebrando uma parte do radiador. Eu e o Mk adentramos as dunas até encontrar sombra. Lanchamos e esperamos o veículo de apoio retornar. A situação foi resolvida com Durepox.

De tarde, por volta das 16 horas, chegamos no Farol Sarita. Neste sitio acontece a divisão municipal entre Rio Grande e Santa Vitória do Palmar. Existe ali também uma estrada que vem do Taim. Depois... é só solidão.

Estamos em um trecho de menor concentração populacional do RS. A sensação de isolamento é o ponto alto. Atrai aventureiros de todo o Brasil. Alguns optam por fazer a travessia caminhando, o que demora uns 6 a 7 dias. Ao passar por estes locais, dizem estar em um deserto, outros falam em abismo horizontal.

Um tanto depois existe um espaço entre os florestamentos, uma extenção de 17km de paisagens naturais. Foi um dos momentos que mais me impressionou. Hoje, tais lembranças servem como elemento motivador para retornar lá, de moto e com tempo para explorar as vizinhanças. A pé ou pedalando, chegamos nos locais cansados e falta ânimo para descobrir o que tem depois daquela duna...

Mesmo sem o nordestão, fizemos 68km neste segundo dia e acampamos próximo a uma mata de pinheiros.

No terceiro dia, domingo, dia 4 de novembro, acordamos com o vento sul mais forte. Decidimos não pedalar. Ao invés, fizemos uma incursão por dentro das matas até a Lagoa Mirim. O florestamento de pinus tem duas finalidades. Por um período de 7 anos serve para extração da resina, que é vendida para a indústria química. Depois, se faz o corte da árvore para exportação.

Havia a esperança de pescar algum peixe de água doce, visto que no mar as tentativas foram frustradas. Na lagoa encontramos muito junco na margem e algumas brechas feitas por pescadores. Mais adiante aves típicas do Taim. Nada pescamos, nem beliscou.

Para não nos perdermos, ou andar em círculos, usamos algumas árvores como balizas. Na volta erramos a saída por poucos metros. O Maiquel nos esperava. De tarde decidimos avançar um pouco até o último riacho que nos poderia prover com água para limpar os vasilhames. Cerca quinze quilômetros.

No quarto dia aconteceu o que esperávamos, o vento era nordeste e voamos com as bicicletas. Fizemos perto de 80 km, só que com várias paradas visitar o Farol do Albardão, Hotel Abandonado, Eremita Teixeira, Lagoa Mirim novamente e por fim nos aproximamos do Hermenegildo para o pernoite.

No Farol do Albardão ninguém veio nos atender. Ele, mais o Farol do Chuí, são os únicos que continuam sendo operados manualmente. Os demais estão automatizados com placas solares. Soube posteriormente que a visita ao farol deve ser agendada. Neste caso, eles oferecem pouso e banheiros para os viajantes. Como queríamos aproveitar o vento, não nos detemos.

Quanto ao Hotel Abandonado, é fácil passar sem perceber. Ele está engolido pela areia das dunas. Uns arbustos dificulta ainda mais a visão. De antemão é preciso marcar no seu maps onde ele fica. Se vale a pena se deter? Sim, nos toma uma certa nostalgia em saber que um dia ele era um importante entreposto para o viajante, visto que os deslocamentos com a fronteira se davam pela praia. Era ele e o hotel Netuno, próximo ao Cassino. Será que seria interessante reativar algo parecido? Para os caminhantes, sim, porém iria diminuir em muito a sensação de isolamento que só este lugar proporciona.

O eremita Teixeira tem sua casa cerca de 1,37 km após o hotel abandonado. A direção em que fica sua choupana é balizada por bandeiras de plástico, conforme foto acima. O Sr. Teixeira vive só e sem meios de locomoção. Costuma oferecer o gramado que tem em volta da sua casa para os viajantes acamparem. Ele salga o peixe para conservar. O seu contato com o mundo externo acontece quando por ali chegam os viajantes ou então através daqueles que vem até ele comprar peixe e lhe trazer algo da cidade. É cercado por animais de criação, inclusive uma colméia e usa placas solares para ter iluminação durante a noite. Quanto à água, não cheguei a conferir exatamente de onde extrai, mas deve ser de poço. Ele fixou taquaras para marcar o caminho até a Lagoa Mirim e nós seguimos nesta direção, acompanhados por seu cachorro. Ele disse que cravou estas balizas porque estava se perdendo no retorno para casa. O terreno que antecede a lagoa é tomado por bonitas dunas. Se não estivessémos no pino do sol, acho que teríamos nos demorado mais por ali.

Esqueci de dizer que já estávamos no famoso conchal. Trata-se de uma extensa faixa de litoral onde a areia é composta essencialmente por conchas, em diferentes estágios de desintegração. Quando a maré sobe, é inviável pedalar. Alguns quilômetros empurramos as bicicletas. Enfim, o Joéde que tinha ido na frente achou uma casa abandonada e nos estabelecemos no pátio da mesma.

Amanheceu o dia 6 de novembro, terça feira, e sabíamos que era o último da jornada. A areia fofa durou até a cercania do balneário do Hermenegildo. No Hermena, almoçamos, e mais uma vez, sem pressa, deixamos para concluir de tarde a travessia.

Cerca de 10km separam o balneário dos molhes do Chuí. O dia ficou cinzento. Havia um pouco de cansaço, mas sobressaía a sensação do "estou chegando" e por conta disto o corpo "trava". Fui na frente para registrar a chegada com o drone, mas nestes últimos metros o MK sequer conseguiu pedalar, fez caminhando. Pelas 16 horas chegamos nos molhes.