2018

Travessia da maior praia do mundo

02 a 09 de novembro

Tradicionalmente os novembros já entraram no nosso calendário como mês de aventuras. O clima intermediário nos permite desenvolver qualquer tipo de atividade outdoor. Neste feita foi a vez de mais uma longa jornada de bicicleta pelo litoral brasileiro, percorrendo por completo a maior praia do mundo, desde os molhes da barra de Rio Grande até o arroio Chuí, na divisa com o Uruguai. Foi uma experiência distinta que permanecerá para sempre em nossas memórias. Acompanhe conosco este empolgante relato.

Rincão do Inferno

Bagé até então não figurava em nossos roteiros. A percepção oriunda de noticiários e publicações nos permitia apenas imaginar um relevo de coxilhas perto da fronteira uruguaia, frequentemente acometido pela escassez de chuva. Neste ano, inclusive, ouvíamos das perdas na lavoura e pecuária decorrentes da estiagem prolongada. Todavia, após nossas últimas incursões por Caçapava e Minas do Camaquã, toda a região das guaritas nos atraiu. Foi assim que soubemos da existência de um canyon aberto pela passagem do Rio Camaquã na divisa entre Bagé e Lavras do Sul. Nas fotos de quem já tinha ido era possível divisar atrativos próprios de nossa vocação: montanhas, florestas, talvez cavernas e o rio para uns mergulhos. Despertado o interesse, descobrimos que o sitio se chama Rincão do Inferno e a curiosidade aumentou quando soubemos tratar-se de uma área de quilombola. O histórico remonta ao fim da escravatura e a área cedida foi justamente a imprópria para a pecuária e agricultura, visto tratar-se essencialmente de afloramento rochoso sem vegetação ou solo, por isto a expressão "Rincão do Inferno".
O tempo julgou a causa e hoje a porção "árida" atrai aventureiros de todo o RS justamente porque manteve a paisagem original. Foi com esta expectativa que partimos no dia 28 de abril para mais uma aventura "pras bandas" do Escudo Rio-grandense. Nesta feita, com uma equipe diferente: o Boáz pilotando, o Lucas de volta e, pela primeira vez, o Eliel. Completei o time junto com o Joéde.
A viagem transcorreu dentro da normalidade, apenas a distância de 250km exigiu paciência dos tripulantes. O almoço aconteceu na entrada de Minas do Camaquã. Dali em diante era desconhecido para todos nós. Sorte que a 153 estava em boas condições. Logo após passar o rio a atenção foi redobrada para não passarmos da entrada. Sabíamos que era numa curva e não teria placa indicando nosso destino, mas deu tudo certo.
Seguimos estrada afora. O relevo estava de acordo com o imaginado: colinas. Hora subindo, hora descendo. Mais uma vez é oportuno dizer que não existem placas indicando o caminho. É necessário identificar de antemão no "maps" a localização do afloramento rochoso e depois seguir pela rota conveniente. Foi assim que no alto de uma coxilha encontramos a primeira porteira a ser aberta. Ali existia uma placa, mas com o dizer "Rincão dos Francos".

Dali para frente a estrada perde a qualidade. Trafegar em dias chuvosos pode não ser uma boa ideia. Novamente subidas e descidas e porteiras, talvez 8 no total. Claro que neste sobe e desce, sem avistar cerros, é normal se perguntar se é realmente por ali o caminho. E quando chegamos na antepenúltima porteira e estava escrito "Propriedade Particular, proibida a entrada"? Tivemos que fazer um estudo de caso: a palavra proibida tinha sido sobreposta por uma tinta branca, ou seja, alguém tentou apagar ela, assim a escrita correta era "Propriedade Particular, Entrada". Foi por esta interpretação que ousamos ir adiante. Por fim divisamos o afloramento e o ânimo voltou aos viajantes.
Antes da última porteira havia um pequeno estacionamento. Logo depois um veículo velho que poderia ser do proprietário. Na sequência um trilho em meio as pedras, mas como não tinha ninguém para nos recepcionar, seguimos a pé. Na parte alta encontramos uma equipe acampada e veículos. Perguntei pelo administrador e me indicaram que sua residência era mais para baixo, era só seguir a fiação elétrica.
Seu Alcíbio Franco nos atendeu desde o pátio da sua casa. Nos explicou o funcionamento e acertamos a estadia. Neste espaço de tempo o Boáz voltou com dois tripulantes até o auto para pegar os víveres e eu desci com o Lucas guiados pelo Sr. Franco. Nos mostrou a trilha e o areal onde podíamos acampar. Ao chegar, a equipe da Top Trip Adventure fotografava no local, mas logo em seguida ficamos sós na baixada. Na sequência foi um sobe e desce para trazer todo o material do acampamento. Alguns se mostraram "enferrujados". Claro, já fazia tempo que não fazíamos algo semelhante!

A paisagem do canyon nos fascinou: para sudoeste um arco de cerros altos com uma abertura por onde corria o rio. No sentido contrário o caminho aberto pelo rio ao longo de milênios. Logo no costado do areal um bosque fechado de onde extraímos a lenha para a fogueira (foto acima). Para Oeste o canal do rio e mais paredões de pedra. Este era o nosso cenário, mais pitoresco ficou quando Curicacas passavam cantando sobre nossas cabeças, parecia que estávamos em um "elo perdido".
O entardecer nos obrigou a deixar tudo pronto no acampamento. Barraca posicionada, a panela de ferro dependurada em um galho, demais itens necessários para a janta em volta. Mas não escureceu logo! Mesmo que no canyon o sol já tinha nos deixado, acima dos cerros ele continuava a brilhar e a claridade chegava até nós. Neste primeiro dia não realizamos incursões pelas redondezas, nos limitamos ao banho de rio e permanecemos em torno do acampamento. Ousei pedir uma cadeira de praia para o anfitrião, o que trouxe um pouco mais de conforto para o momento "fogueira". Uma iluminação com led foi montada próxima à panela e o Joéde iniciou os preparativos para a janta: carreteiro de linguiça. Na ocasião testamos a técnica de usar a panela dependurada sobre o fogo. Este é um costume centenário para a cultura Riograndense, mas em particular não tínhamos ainda feito assim. O resultado é uma comida forte e bem temperada. Aprovamos! Só o peso da panela exige que o local do acampamento não seja tão retirado.
O crepúsculo nos envolveu de fato. Rodeamos o fogo, improvisamos um banco com um tronco e contamos histórias. Pelo prazer de estar ao ar livre, repetimos outro costume, agora milenar, reportando às mais antigas civilizações. A "fogueira", portanto, deve ter sido a primeira rede social criada pelo homem. Em volta dela se reunia a família para discorrer sobre o dia; os viajantes compartilhavam as novidades sucedidas em terras distantes. A claridade de suas labaredas ilumina de igual o rosto dos que lhe cercam de maneira que se sabe quem fala e quem responde, por isto a comparação com as atuais redes sociais. Nós discorremos sobre o universo, filmes, política ...
Fiz observações nas estrelas (a vialáctea não estava visível por conta da humidade do ar) e fotografei a lua como se percebe na foto abaixo. Aos poucos os aventureiros foram se recolhendo para a barraca. O cansaço minou neles a expectativa de ver o canyon iluminado pela lua. Recompensa após 250 km de estrada. Foi uma experiência e tanto! Nestes momentos introspectivos lembro da pergunta que fizeram ao alpinista Mallory em 1923 indagando qual era a sua motivação para escalar o Everest. Ele foi simplório em sua resposta: "Porque ele está lá."

Em acampamentos não conseguimos dormir até tarde. A claridade invade as barracas e o corpo entende que é hora de despertar. Do meu lado o Lucas encolhido pelo frio da noite, dispus sobre ele o meu saco de dormir e saí para ver as novidades: névoa e uma forte claridade para o leste, sinal de que teríamos mais um dia de tempo aberto.
No desjejum combinamos de explorar para a jusante seguindo o curso do rio. Três se prontificaram para o empreendimento sendo que o Lucas e Eliel preferiram ficar no acampamento. Descemos, portanto, pela margem direita.
O complexo é formado por imensos blocos de conglomerados e arenitos da formação Serra dos Lanceiros, grupo Santa Bárbara. A explicação dos geólogos que justificam o afloramento é de que o terreno foi soerguido, ou seja, camadas internas da terra subiram mais do que a superfície. O intemperismo por sua vez fragmentou os blocos e as enxurradas cuidaram de arrastar estes até o canyon. O resultado é um labirinto de pedras dispostas irregularmente pelo caminho o que tornou o deslocamento ainda mais surpreendente. Foto abaixo.

O Rio Camaquã possui duas nascentes distintas. Um braço vem da divisa de Lavras do Sul com São Gabriel e é de igual porte com este no qual estávamos, oriundo de Bagé. Para melhor identificação, este que vem do sul se chama Camaquã Chico. Os dois se unem logo abaixo deste sítio. Sobre a vazão normal do rio acho oportuno fazer uma observação: na maior parte das fotos disponíveis na internet se percebe um bom volume de água. Andando pela margem, no entanto, encontrei um trecho esculpido entre as pedras que coincidia exatamente com o volume de água que passava pelo local. Foto abaixo. Assim, a minha conclusão é de que tivemos a oportunidade de ver o rio em seu estado "normal". Era possível saltar de um lado para o outro sem se molhar.

Considerando a disposição das pedras é de se imaginar a turbulência que se forma em tempos de chuvas fortes visto que o canyon afunila a aguá que desce das cabeçeiras.
Quanto ao banco de areia no qual montamos o acampamento, é o elemento da paisagem que mais muda de forma. Em algumas fotos ele aparece apenas como uma ilha. Na nossa estadia formava um alto banco com aclive na direção do bosque. Os grãos, como era de se imaginar, não vem em sua maioria transportados pelo leito do rio e sim do mesmo vale do "bosque". Posteriormente, através das imagens do drone, foi possível visualizar que este vale corta todo o complexo até o rio e conduz um arroio, o mesmo do qual nos provemos de água para beber e cozinhar.
Nosso trekking foi até as imediações da Pedra do Balão. Dali o Boáz retornou pelo mesmo caminho e eu e o Joéde subimos a encosta para procurar ângulos para fotografar. Foi assim que encontramos o local tradicional para a maioria dos visitantes, conforme foto que encerra esta narrativa. No almoço nos provemos de um churrasco com espetos feito com galhos das árvores.
De tarde, sem pressa, iniciamos o carregamento do material de volta para o auto. Uma viagem bem carregada para cada um foi o suficiente. Na passada devolvi a cadeira do seu Alcíbio e agradeci pela hospitalidade. Em Santa Cruz chegamos de volta depois das 19 horas.
Dias depois, analizando as fotografias, veio a saudade e aquele pensamento: por que não conhecemos mais pontos do local, não subimos nos cumes dos cerros? Considerando que não temos o costume de voltar ao mesmo local, senão os de perto de Santa Cruz para algum exercício, ficamos com um "gostinho de quero mais!"

Ponte do Império

Em 2018 iniciamos as atividades de aventura no município de Candelária, mais precisamente na Linha Costa do Rio. O dia escolhido foi o primeiro domingo de fevereiro (dia 4) quando então partimos com o carro do Bruno entre quatro tripulantes. O primeiro destino foi o Camping do Apollo existente na margem do Rio Pardo, junção com o Arroio Quilombo. Um lugar agradável, bom para acampar, sossegado mas com a balneabilidade comprometida pela ausência de areia nas margens do rio. Na foto a seguir vemos o leito repleto de pedras no tamanho de matacões. O almoço foi cedo e essencialmente carne.

De tarde deixamos o balneário e seguimos até o fim do pavimento. Cruzamos o Arroio Quilombo e voltamos à margem do Rio Pardo. Não muito depois encontramos outro balneário, várias casas e uma extensa ponte pênsil: era as imediações da Ponte do Império, hora de estacionar e seguir a pé. Ao atravessar a ponte colgante fotografamos nossos "marombas" (foto seguinte). Justamente nestes dias circulou nas redes sociais um vídeo onde a deputada Cristiane Brasil aparece em um barco cercada por quatro "marombas". O assunto ganhou repercussão nacional e nós também resolvemos mostrar os nossos candidatos! Hahaha.

A Ponte do Império (primeira foto deste post) foi construída entre 1879 e 1880 motivo pelo qual recebe o sobrenome de "Império". O custo foi bancado pelo município de Rio Pardo destino para o qual fluíam as tropas dos mercadores que transportavam suas mercadorias sobre mulas. No sentido contrário o caminho seguia em direção ao planalto, tanto para quem ia às missões quanto para quem ia para Curitiba. Nesta altura, a obra de alvenaria sobrepõe o Arroio Passa Sete. As águas cristalinas nos permitiram momentos relaxantes nos poços que existem logo acima da ponte.

Faltava acrescentar um pouco de pimenta no nosso cardápio. Retornamos até o Arroio Quilombo e seguimos margeando o mesmo a montante. Passamos pelo vilarejo que dá nome ao local e melindramos por entre os cerros. Houve momento que tivemos que sair do veículo para que o motorista pudesse chegar no aclive com velocidade. Prestes a desistir da procura, encontramos dois carros estacionados no meio do nada: era ali o acesso ao Poço Azul! Estacionamos na margem da estrada e descemos por uma trilha no meio do mato. Nenhuma lavoura, terreno em rápido declive. Uma volta acentuada para a esquerda e enfim ouvimos o borbulhar da queda dágua.

Não era exatamente azul, mas tendia para o verde. Diferente do que diziam que não tinha fundo, o Bruno mergulhava e voltava com uma pedra não mão, ou seja, no máximo uns 3 metros desde a superfície. Foi uma festa, apenas lamentamos não ter algo assim mais perto da "civilização". Claro, se houvesse, já teria sido adaptado ao viés econômico.

Neve no Saara.

O primeiro domingo de 2018 surpreendeu os moradores da Argélia, norte da África. As areias vermelhas do Saara foram encobertas por uma camada de neve. Naturalmente que o fenômeno foi registrado numa altitude de 1000 metros na Cordilheira do Atlas, mais especificamente nos arredores de Ain Sefra. A chegada da neve foi decorrente do forte sistema de alta pressão que está sobre a Europa e que tem "congelado" o hemisfério norte nesta virada de 2017/2018. A neve derreteu apenas no final do dia quando as temperaturas passaram a 5º positivo. Os últimos registros tinham sido em 2016 e depois só de 1979 segundo o site G1.